O que é e para que serve este objecto de madeira? A canga vareira é o jugo com que se juntam os bois para o trabalho, e é feita de carvalho, sobreiro, castanheiro, ou até mesmo de eucalipto. (Quanto melhor for a madeira, mais facilmente trabalha o formão e a goiva nas mãos do artista, já que este curioso objecto, para além das pinturas e dos ornamentos, apresenta relevos habilmente esculpidos pelo artesão, que é ao mesmo tempo pintor, carpinteiro e entalhador. A canga do tipo vareiro, ao contrário da canga minhota, não costuma ter muitas perfurações, muitos rendilhados.
Ao ler o pouco que existe sobre este tema, descobri um
texto muito curioso de Vasco Branco, publicado no boletim “Aveiro e o seu
Distrito”, de Dezembro de 1975, que lembra que os motivos centrais da canga
vareira são "a custódia, cruz de Cristo, vaso de flores ou signo-saimão (que nos
protege do mau-olhado), às armas da monarquia e república", e que “os elementos
decorativos menores são geralmente fitomórficos e geométricos.” A flor-de-lis
aparece normalmente disposta em friso.
Na foto podemos ver quatro juntas de bois, alinhadas no
areal da praia do Furadouro, durante um dia de trabalho no mar. E lá estão as
cangas vareiras, todas encabeladas... Não me recordo de presenciar um quadro
destes, mas durante a minha adolescência, no início da década de oitenta, costumava
ir passear para os lados do Torrão do Lameiro para fotografar as proas e rés
dos barcos moliceiros, e de seguir os sulcos deixados pelo rodado de um carro
de bois, até descobrir, mais adiante, um lavrador a encher o carro de moliço
para fertilizar as terras que ficavam mesmo ali ao lado. E lá estava a canga
vareira a unir a junta de bois, sorrindo com todas aquelas cores puras e
harmoniosas, com o seu característico trapézio central, estreito e elegante a
pontuar a paisagem ribeirinha.
Conversando, há tempos, com alguns moradores do Torrão do
Lameiro, disseram-me que a canga vareira é uma peça cobiçada por
colecionadores e turistas e que, infelizmente, tendem a desaparecer dos nossos
meios rurais. É verdade que as conseguimos admirar nos Museus ou nos desfiles
etnográficos, mas quem é que irá perpetuar esta arte que não tem preço e que se
encontra à venda nos leilões que se fazem na Internet?
TEXTO: Fernando Manuel Oliveira Pinto (rubrica "O Uso das Coisas")
FONTE: jornal de Ovar "JOÃO SEMANA" (edição de 01/11/2009)