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A canga vareira – por Fernando Pinto

O que é e para que serve este objecto de madeira? A canga vareira é o jugo com que se juntam os bois para o trabalho, e é feita de carvalho, sobreiro, castanheiro, ou até mesmo de eucalipto. (Quanto melhor for a madeira, mais facilmente trabalha o formão e a goiva nas mãos do artista, já que este curioso objecto, para além das pinturas e dos ornamentos, apresenta relevos habilmente esculpidos pelo artesão, que é ao mesmo tempo pintor, carpinteiro e entalhador. A canga do tipo vareiro, ao contrário da canga minhota, não costuma ter muitas perfurações, muitos rendilhados.


Ao ler o pouco que existe sobre este tema, descobri um texto muito curioso de Vasco Branco, publicado no boletim “Aveiro e o seu Distrito”, de Dezembro de 1975, que lembra que os motivos centrais da canga vareira são "a custódia, cruz de Cristo, vaso de flores ou signo-saimão (que nos protege do mau-olhado), às armas da monarquia e república", e que “os elementos decorativos menores são geralmente fitomórficos e geométricos.” A flor-de-lis aparece normalmente disposta em friso.


Na foto podemos ver quatro juntas de bois, alinhadas no areal da praia do Furadouro, durante um dia de trabalho no mar. E lá estão as cangas vareiras, todas encabeladas... Não me recordo de presenciar um quadro destes, mas durante a minha adolescência, no início da década de oitenta, costumava ir passear para os lados do Torrão do Lameiro para fotografar as proas e rés dos barcos moliceiros, e de seguir os sulcos deixados pelo rodado de um carro de bois, até descobrir, mais adiante, um lavrador a encher o carro de moliço para fertilizar as terras que ficavam mesmo ali ao lado. E lá estava a canga vareira a unir a junta de bois, sorrindo com todas aquelas cores puras e harmoniosas, com o seu característico trapézio central, estreito e elegante a pontuar a paisagem ribeirinha.


Conversando, há tempos, com alguns moradores do Torrão do Lameiro, disseram-me que a canga vareira é uma peça cobiçada por colecionadores e turistas e que, infelizmente, tendem a desaparecer dos nossos meios rurais. É verdade que as conseguimos admirar nos Museus ou nos desfiles etnográficos, mas quem é que irá perpetuar esta arte que não tem preço e que se encontra à venda nos leilões que se fazem na Internet?

Canga vareira de 1930, do Sr. Mitrana (Ribeira de Ovar)
FOTO: Fernando Pinto

TEXTO: Fernando Manuel Oliveira Pinto (rubrica "O Uso das Coisas")
FONTE: jornal de Ovar "JOÃO SEMANA" (edição de 01/11/2009)